sábado, 21 de março de 2009

Uma historia de homem


Um cego estava à beira da estrada. Ao perceber a aproximação de Jesus, clama por ele várias vezes e é, seguidamente, repreendido por muitos dentre a multidão que insistiram para que se calasse. Sua reação é oposta ao que todos esperavam. Seus clamores repetidos, transformados em gritos ecoam por toda parte. Jesus, então, atendendo aos anseios do cego pede que o tragam e lhe restaura a visão.

Aquela multidão era como todo ajuntamento heterogêneo que se possa ter. Uma multidão, é uma mescla de todas as gentes, por isso pode ser intransigente, possuir interesses os mais diversos, visões de vida as mais variadas; uma multidão esconde ideologias inúmeras, sentimentos bons, como também sentimentos danosos. É capaz de ocultar olhares e fugazmente se perder na dissimulação. Como conseqüência, pode tomar direções e posicionamentos inusitados. Uma multidão surpreende.

As repreensões aconteceram porque o que dele esperavam era uma atitude de passividade diante de sua própria crise. Sua cegueira, de longa data, era, sem dúvida, um aspecto externo de algo que lhe corroia as entranhas: a marginalização. Era um cego em crise. Ser cego significava ficar sempre à beira do caminho, não participar das principais decisões que diziam respeito a sua vida e a sua comunidade, incapacidade de se manter dignamente, estar fadado a ouvir sempre e nunca ter voz ativa. Significava, também, sentir o frio da solidão mesmo quando no meio de uma grande multidão eufórica. Talvez seja esse um dos maiores drama que se possa viver: ser considerado inútil e sentir-se como tal. Seu valor, como pessoa, estava sempre abaixo das míseras moedas que recebia de pessoas caridosas. Ele nada poderia fazer para mudar aquela situação. Seu nome nem mesmo é citado. Não era dono nem do seu próprio nome. Era chamado de Bartimeu, que significa filho de Timeu. Seu pai, tivera honra, nome, ele, nem mesmo a honra do próprio nome lhe era computada.

A multidão repreende de acordo com seus valores e em sintonia com o momento vivido. A multidão apresenta-se, muitas vezes, como interesseira e sem amor ao próximo. Ela olha o todo e esquece-se das partes miúdas que dizem respeito à individualidade. Sua sensibilidade nem sempre está na pele dos indivíduos que a compõem, mas no clima que é produzido pelas muitas vozes que, sedutoramente, se alternam aos ouvidos dos fragilizados. O cego era apenas mais um dentro da multidão que deveria se subjugar ao imperativo da vontade todos.

Privado da visão, sem a condescendência de amigos capazes de tomar fortes decisões por ele, só lhe resta gritar: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim. Sua atitude expressa conhecimento, o que lhe foi de grande valia. Isto fica claro ao se referir à linhagem de Jesus. Davi foi um grande rei e as profecias evidenciavam que o Rei dos Reis viria dessa descendência. Portanto, gritar, apenas, não resolve. É preciso saber o que gritar, como, e a quem fazê-lo. O grito da alma precisa ter a consistência da fé inteligente.

Indiferente à multidão, o Mestre Divino se volta para o cego. Era possível ouvi-lo e tornar-se cúmplice de sua dor. Uma nova dimensão, a do sobrenatural divino, se interpõe à multidão e ao cego. O sonho se torna realidade. Ele vê.

Esta é uma história de homens. Envolve um homem que busca socorro e homens que negam compreensão. A solidariedade é ofuscada por um sentimento discriminatório, pois o necessitado possuía “defeitos” graves: era pobre, mendigo, cego, e sem prestígio algum. Os acertos e desacertos delineados neste episódio são inerentes aos seres humanos, porém é verdade também que podemos mudar, melhorar nossa performance e errar menos. O milagre compete a Deus, a solidariedade, a compreensão e a partilha, aos homens e mulheres que conseguem se enxergar como iguais.